Turismo, a torto e a direito
Durante alguns anos, a propaganda oficial fez com que muito boa gente acreditasse que os Açores eram atrasados porque possuíam muita gente no sector primário e que o progresso açoriano só seria possível se a região abandonasse os campos e as pescas e passasse a ser uma prestadora de serviços.
O peixe viria da Austrália, os melões de Almeirim, as uvas da África do Sul, os pepinos de Espanha e o leite viria das “nossas” vacas que também eram antiquadas pois ainda comiam erva (hoje não se sabe bem qual o seu alimento), daí foi um tal abandonar a agricultura que não é o mesmo que pecuária, embora alguns governantes, que como sabemos não são deficientes, continuem a confundir uma coisa com a outra.
A saída do atoleiro onde anda(va) a economia regional foi encontrada na aposta num novo “ciclo”, o do turismo interno e externo. Se o primeiro tem tido algum sucesso, através das viagens (subsidiadas) de barco entre as ilhas, o segundo parece que, pelo menos nos últimos tempos, nem por isso.
É precisamente o turismo ou, melhor, a palavra turismo que é a arma de arremesso que serve para tudo justificar, até o impossível, como exemplificarei a seguir.
Se uma associação ambientalista ou que se diz como tal solicitava apoio para algum projecto, para além de ter de mencionar a importância didáctica, científica ou conservacionista do mesmo, aproveitava a ocasião para enxertar o interesse turístico pois esta referência era meio caminho para que as diversas entidades mais facilmente abrissem os cordões à bolsa.
Se uma entidade queria asfaltar uma travessa, cimentar um beco ou arranjar uma canada, para conseguir apoio bastava tentar ludibriar a tutela, apresentando um projecto de trilho pedestre, claro, de elevado interesse turístico.
Se um cidadão tinha a intenção de recuperar uma casa e não queria fazer as obras à sua custa, apresentava um projecto de turismo de habitação, em virtude do tão elevado interesse turístico do empreendimento.
Se um grupo pretendia incrementar a tortura animal, introduzindo a sorte de varas e os touros de morte, depois de conseguir a primeira, e no século XXI não há argumento decente para tal, a solução é (será?) alegar que aquelas “artes” atrairão milhares de aficionados de todo o mundo e outros tantos de outros planetas. Volta a estar, portanto, presente o incansável argumento turístico.
Se uma autarquia quer apoiar uma festa de Verão recém-nascida ou outra cuja tradição já é secular, felizmente não tem uma só solução. Para além do estafado interesse turístico e do quase garantido apoio da tutela, caso as cores partidárias sejam as mesmas, tem, também, à sua disposição o PRORURAL.
Para quem tiver a paciência de ler, embora não recomende pois de uma farsa se trata já que compara a incineração com um aterro (que não é alternativa a nada), o estudo de impacte ambiental do Ecoparque da Ilha de São Miguel, vulgo incineradora, terá a oportunidade de ficar a saber que, para além dos impactos positivos na saúde e no ambiente, o mesmo terá impactos positivos no turismo. Há alguns anos, no reinado do PSD, os pontos turísticos de São Miguel eram as Furnas, as Sete Cidades, a Lagoa do Fogo e a Escola Secundária das Laranjeiras, agora o reino socialista, depois de substituir a Escola das Laranjeiras pela Secundária da Lagoa, pretende acrescentar a Incineradora das Murtas.
Podia continuar a apresentar mais exemplos, mas, para não maçar o leitor e por economia de tempo e espaço, fico por aqui, deixando a seguinte questão:
É turismo para aqui e para ali, são turistas, turistas e mais turistas. E nós, açorianos - incluo todos os que aqui decidiram viver em harmonia com os que cá nasceram e não às costas destes - não contamos para nada?
27 de Julho de 2011
Teófilo Braga
Fonte: Correio dos Açores