sábado, fevereiro 28, 2009


Não à Sorte de Varas nem aos touros de morte nos Açores

Apelo a todos os cidadãos e cidadãs e a todas as organizações ambientalistas/ecologistas e de defesa dos animais

Depois de várias tentativas frustradas de introduzir na ilha Terceira corridas picadas e touros de morte, tem-se assistido nos últimos anos a uma imposição das touradas à corda em ilhas onde não há qualquer tradição, como Santa Maria ou São Miguel, com a conivência ou apoio governamental ou autárquico.

Numa altura que as vozes de sempre aproveitando a revisão constitucional de 2004 e o novo Estatuto Político dos Açores, se preparam para fazer aprovar, na Assembleia Legislativa Regional, legislação que legalize a sorte de varas e depois os touros de morte, um grupo de cidadãos e cidadãs decidiu começar a luta em defesa dos direitos dos animais de que as touradas são uma parte do problema.

Considerando que não é aceitável que nenhum animal seja torturado para entretenimento do ser humano. Considerando que todo o acto que implique a morte de um animal, sem necessidade, é um biocídio, ou seja, um crime contra a vida (Artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais). Considerando ainda que os direitos dos animais devem ser defendidos pela Lei, assim como o são os direitos do homem (Artigo 14º) e por acreditarmos que a evolução cultural irá sobrepor-se à tradição e à ignorância, vimos manifestar a nossa profunda discordância com a referida pretensão e apelar para que:

1- Não sejam promovidas nem apoiadas, com recurso a dinheiros públicos, touradas à corda, nas ilhas onde tal prática não é tradição;

2- Não venham a ser legalizadas as corridas picadas e os touros de morte, por serem alheias à nossa cultura, na Região Autónoma dos Açores.

3- Seja aprovada legislação regional de protecção dos animais que tenha em consideração o disposto na legislação europeia e na Declaração Universal dos Direitos dos Animais que foi proclamada em 15 de Outubro de 1978 e aprovada pela Unesco.

Primeiros Subscritores:

Aíridas Dapkevicius (investigador-bolseiro)
Almerinda Valente (professora)
Ana Carina Ávila da Silva (consultora comercial)
André Magalhães de Barros (recém-licenciado em direito)
Aníbal Pires (professor)
António Serpa (bancário)
Artur Gil (engenheiro)
Carla Silva (bióloga)
Catarina Furtado (professora)
Cláudia Tavares (professora)
Eduardo Santos (técnico de comunicações)
Eva Lima (Geóloga)
Gabriela Mota Vieira (enfermeira)
George Hayes (professor)
Helena Primo (professora)
Herondina Meneses (professora)
Hugo Evangelista (biólogo/investigador)
Humberta Maria Ferreira de Medeiros (funcionária publica)
Isabel Albergaria (professora)
João Pacheco (professor)
João Pinto (professor)
José Andrade Melo (professor)
José Guerra (professor)
José Luís Q. Mota Vieira (aduaneiro)
José Lopes Basílio (professor)
José Pedro Medeiros (bancário)
Leonor Galhardo (bióloga)
Lubélia Travassos (secretária)
Lúcia Ventura (professora)
Luís Noronha Botelho (professor)
Lurdes Valério e Cunha (professora)
Manuel Araújo (engenheiro)
Manuel Sá Couto (professor)
Maria José Vasconcelos (professora)
Maria Manuela Borges Gonçalves do Livro (professora)
Mário Furtado (professor)
Miguel Fontes (estudante)
Nélia Melo (professora)
Olinda Costa (professora)
Patrícia Costa (professora)
Paulo Borges (professor universitário)
Pedro Albergaria Leite Pacheco (professor)
Rita Melo (bióloga)
Ricardo Nuno Espínola de Ávila (educador de infância)
Rui Soares Alcântara (professor)
Sandra Câmara (bióloga)
Sérgio Diogo Caetano (geólogo)
Teófilo Braga (professor)
Vitor Medina (professor)
Zuraida Soares (professora)

Todas as pessoas singulares ou colectivas (formais ou informais) e blogues que queiram subscrever este apelo deverão enviar um mail para este blog(terralivreacores@gmail.com) manifestando a sua intensão e indicando o nome, profissão (ou instituição a que pertence)e local de residência (no caso dos cidadãos/cidadãs) nas associações e outros colectivos deverão indicar o nome e o local.

Agradece-se a divulgação desde Apelo.

Fonte:http://terralivreacores.blogspot.com/

sábado, fevereiro 14, 2009


Copyleft: É livre a reprodução para fins não comerciais

Fonte: http://passapalavra.info/

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

"Está bem... façamos de conta

Façamos de conta que nada aconteceu no Freeport. Que não houve invulgaridades no processo de licenciamento e que despachos ministeriais a três dias do fim de um governo são coisa normal. Que não houve tios e primos a falar para sobrinhas e sobrinhos e a referir montantes de milhões (contos, libras, euros?). Façamos de conta que a Universidade que licenciou José Sócrates não está fechada no meio de um caso de polícia com arguidos e tudo.
Façamos de conta que José Sócrates sabe mesmo falar Inglês. Façamos de conta que é de aceitar a tese do professor Freitas do Amaral de que, pelo que sabe, no Freeport está tudo bem e é em termos quid juris irrepreensível. Façamos de conta que aceitamos o mestrado em Gestão com que na mesma entrevista Freitas do Amaral distinguiu o primeiro-ministro e façamos de conta que não é absurdo colocá-lo numa das "melhores posições no Mundo" para enfrentar a crise devido aos prodígios académicos que Freitas do Amaral lhe reconheceu. Façamos de conta que, como o afirma o professor Correia de Campos, tudo isto não passa de uma invenção dos média. Façamos de conta que o "Magalhães" é a sério e que nunca houve alunos/figurantes contratados para encenar acções de propaganda do Governo sobre a educação. Façamos de conta que a OCDE se pronunciou sobre a educação em Portugal considerando-a do melhor que há no Mundo. Façamos de conta que Jorge Coelho nunca disse que "quem se mete com o PS leva". Façamos de conta que Augusto Santos Silva nunca disse que do que gostava mesmo era de "malhar na Direita" (acho que Klaus Barbie disse o mesmo da Esquerda). Façamos de conta que o director do Sol não declarou que teve pressões e ameaças de represálias económicas se publicasse reportagens sobre o Freeport. Façamos de conta que o ministro da Presidência Pedro Silva Pereira não me telefonou a tentar saber por "onde é que eu ia começar" a entrevista que lhe fiz sobre o Freeport e não me voltou a telefonar pouco antes da entrevista a dizer que queria ser tratado por ministro e sem confianças de natureza pessoal. Façamos de conta que Edmundo Pedro não está preocupado com a "falta de liberdade". E Manuel Alegre também. Façamos de conta que não é infinitamente ridículo e perverso comparar o Caso Freeport ao Caso Dreyfus. Façamos de conta que não aconteceu nada com o professor Charrua e que não houve indagações da Polícia antes de manifestações legais de professores. Façamos de conta que é normal a sequência de entrevistas do Ministério Público e são normais e de boa prática democrática as declarações do procurador-geral da República. Façamos de conta que não há SIS. Façamos de conta que o presidente da República não chamou o PGR sobre o Freeport e quando disse que isto era assunto de Estado não queria dizer nada disso. Façamos de conta que esta democracia está a funcionar e votemos. Votemos, já que temos a valsa começada, e o nada há-de acabar-se como todas as coisas. Votemos Chaves, Mugabe, Castro, Eduardo dos Santos, Kabila ou o que quer que seja. Votemos por unanimidade porque de facto não interessa. A continuar assim, é só a fazer de conta que votamos." (Mário Crespo)

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Bolo facínora
(receita)


Num recipiente
apropriado
uma mão cheia
quanto se possa
de parvos
(ou feitos parvos
que tanto faz) (1).
Banho maria da ignorância
o tempo necessário.
Com uma pitada de astúcia,
uma boa dose de desvergonha.
E embuste quanto baste.
Vai às brasas lentas
do desemprego
no forno previamente aquecido
com lenha
dos mesmos paus
partidos.
Pode juntar-se
ou antes ou depois
umas gotas de cordial.
Serve-se quente ou frio
aos nacos ou fatias
para quem goste.

(1)À falta de parvos
ou feitos parvos
também serve
agredidos e intimidados;
neste caso ao invés de astúcia
recorra-se à violência
em conformidade com
o que a massa peça.


5 Fev 09


Pedro Pacheco

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Ensinamentos do Prof. Cavaco e de Dom Policarpo sobre divórcio e casamento


As crises económicas geram dois efeitos. Por um lado, aguçam a criatividade dos pobres e dos que trabalham para vencer as dificuldades; em contrapartida, espevitam os neurónios e soltam o verbo dos reaccionários mais convencidos e fossilizados. Neste último contexto, ouvimos recentemente o bem casado Cavaco opinar sobre divórcio e o celibatário Dom Policarpo a falar de casamento.

Cavaco e o divórcio

Cavaco, no seu linguajar rouco e titubeante que mais parece o de um tatebitate, voltou a verberar contra a lei do divórcio que, no entanto promulgou. E disse-o, calculista, perante uma audiência escolhida por nela, eventualmente preponderarem elementos próximos do pacóvio catolicismo luso.

Disse a veneranda figura do presidente da (cleptocrática) república que a recente lei do divórcio, com o seu presumido facilitismo, está a contribuir para o aumento da miséria, uma vez que fragiliza a situação económica dos divorciados. À falta de outros dados, referimos que no inventário dos superendividados da Deco só 15% corresponde a divorciados.

Não nos comove a preocupação do mago das finanças pelos pobres, porque nos lembramos da sua actuação como primeiro-ministro, quando desbaratou os fundos comunitários, favoreceu os ricos com as nacionalizações e como incentivou a escola dos novos-ricos que, agora, vão saltitando, diariamente nas páginas dos jornais clamando por uma honorabilidade em que só os tansos acreditam.

O brilhante economista dos mercados sabe que existe uma crise económica e que esta gera desemprego, precariedade (ele até conhece as estatísticas!) mas, talvez não saiba quantificar a instabilidade emocional, o desgaste psicológico dos milhões de portugueses que andam por aí, mesmo que empregados.

Como lhe ensinaram que o casamento é um sacramento, custa-lhe perceber que, como todos os contratos, possa ser tão duradouro quanto o queiram as partes; e talvez não compreenda que amar e deixar de amar são inerências da natureza humana. Nos manuais de economia não aprendeu que pode haver mais leviandade na concretização de um casamento ou união de facto, (que hoje se equiparam) do que no divórcio ou separação de um casal. Estas separações, por serem normalmente marcadas por pesados custos emocionais e materiais são objecto de uma ponderação muito maior que a união de duas pessoas sob um mesmo tecto.

Por detrás do seu sorriso de benevolente superioridade, acreditará Cavaco que uma família desconhece os impactos económicos decorrentes de um divórcio, no seu tipo de vida e bem-estar? Qualquer casal conhece esses impactos, independentemente da conjuntura económica; e conhece-os muito melhor que o professor Aníbal que é casado com a Dona Maria há décadas!

As pessoas quando decidem divorciar-se fazem aquilo que Cavaco bem conhece, uma análise custo-benefício, ainda que sem o recurso a modelos matemáticos ou programas informáticos. Entre esses custos está, sem dúvida, uma perda de bem-estar e nível de vida, a alteração de uma matriz de relações familiares e afectivas; e nos benefícios englobam-se (e não é pouco) a finalização de uma vida de desgaste psicológico ou violência, o poupar dos filhos a essa situação ou, o início de uma nova vida com outro(a) parceiro(a).

Dificultar legalmente o divórcio, como defende o ilustre catedrático na reforma, tem vários significados e consequências, que o magno lente, do alto da sua suprema magistratura não quer atender, condicionado pelo seu atávico conservadorismo:

• É uma ingerência do Estado na vida particular das pessoas, como se estas fossem incompetentes para gerir a sua própria vida, necessitando de minuciosas leis ou, de uma obrigatória tutela judicial ou burocrática;
• Representa uma dificuldade na reconstituição da vida afectiva de cada um;
• Pode representar o arrastar de situações de extremo mau-estar para as famílias onde tenderão a verificar-se frequentes discussões, agressões e crimes, muitas vezes com impactos irreparáveis nos filhos;
• Constituiria uma dificuldade acrescida às triviais situações de baixos salários, precariedade de emprego ou ausência do mesmo, quer do ponto de vista emocional, quer do ponto de vista material pois a burocracia e os advogados não são gratuitos.

E se as pessoas se separarem, de facto, sem a formalização de um divórcio a situação não ficará obrigatoriamente mais facilitada. Mesmo uma acção subsequente do divórcio, como a partilha de bens, pode arrastar-se indefinidamente nas mãos de um tribunal sonolento ou de juizes insensíveis, para além de que em nada a lei garante uma igualdade de direitos aos divorciados, permitindo, objectivamente, uma posição dominante a um deles, mormente a quem detiver maior poder económico ou tiver ficado a viver na habitação do casal. Aí, sim, Cavaco poderia pressionar os legisladores.

Aliás, o fecundo pensamento cavaquiano não terá alcançado que uma complicação na potencial obtenção de divórcio constituirá um incentivo para as uniões de facto, cuja figura não colherá, decerto, o agrado do PR e do estagnado pensamento emanado da multinacional vaticana.


Ainda dentro da lógica cavaquiana, se o divórcio deve ser combatido para obviar a situações de miséria, a actuação pro-activa consistirá em fomentar os casamentos. No âmbito dessa vulgata economicista o casamento seria uma forma de, através da união de rendimentos e bens, serem aproveitadas as sinergias e ser aumentada a produtividade de casas, fogões e camas, com o aumento dos seus utilizadores. Melhor ainda até seria estimular casamentos colectivos, adoptar a poligamia ou a poliandria para que a produtividade dos equipamentos habitacionais explodisse e colocasse Portugal em lugares de vanguarda nas estatísticas do Eurostat!

Como Cavaco se escusa a falar sobre o caso Freeport porque é um “assunto de Estado” (que será essa coisa, para além de uma defesa para os negócios dos poderosos?) melhor seria entreter-se com esses assuntos e deixar a vida das pessoas reais em paz, sem emitir opiniões que ninguém lhe encomendou.

Dom Policarpo e o casamento
A Dom Policarpo, alto quadro do “offshore” Vaticano, aconteceu-lhe num jantar de tertulianos o mesmo que ao Mário Lino no almoço da Ordem dos Economistas: um acesso de incontinência verbal.

O prelado virou-se “prolado” para que estava virado e lá disse o politicamente incorrecto, mais ou menos nestes termos: “Meninas, quando pensarem em casar com um muçulmano pensem bem no que vão fazer pois podem arranjar sarilhos que nem Allah as salva”. A coisa parece descabida pois o número de muçulmanos em Portugal não é grande (30/35000, 0,3% da população) e depois, porque o cardeal teria em mente situações reais mas, muito pontuais.

Todos sabemos que nas sociedades maioritariamente muçulmanas (e não é preciso que vigore a “sharia”) a situação das mulheres não lhes é nada favorável e é equivalente aquela que as mulheres europeias viveram durante muitos séculos sob o patrocínio da Igreja Católica e da sua concorrência de raiz cristã. E para que a situação mude, as mulheres muçulmanas precisam de um desenvolvimento económico que lhes abra as portas ao trabalho fora de casa e de um menor apoio ocidental aos regimes autoritários que as regem.

Só que Dom Policarpo não tem autoridade moral para falar dos direitos das mulheres. As liberdades individuais que as mulheres europeias, por exemplo, hoje detêm, foram objecto de uma luta secular que se acelerou depois da Segunda Guerra, com o emprego generalizado fora de casa, a pílula e o acesso à educação. E nessa luta, a Igreja Católica, em geral e a portuguesa em particular, só estiveram presentes do outro lado da barricada, contra todas as manifestações de emancipação das mulheres. E ainda hoje, a Igraja Católica não aceita o divórcio (que existe legalmente nos países islâmicos), a contracepção, a IVG, as relações pré-matrimoniais, a masturbação, o sacerdócio das mulheres…

Aliás, o Cristianismo na sua base mais profunda que é a Bíblia considera a mulher como uma emanação de uma costela do homem, frisando assim o seu papel subalterno e, (apetece parodiar) fruto da benevolência divina perante um reivindicativo Adão, cansado de perseguir as peludas macacas… Se Dom Policarpo tivesse vivido antes do século XVIII defenderia afincadamente que a mulher não tinha alma (o que quer que isso seja, para homens ou mulheres) e enviaria para a fogueira quem o contrariasse.

Recordemo-nos que em Pequim, na Conferência Mundial sobre a Mulher (1995) se assistiu a uma clara convergência do Vaticano com os ayatollas, contra os direitos das mulheres. Até por isso, Dom Policarpo mais valia ter ficado calado quanto a opiniões sobre os islâmicos, sobretudo quando o Vaticano sempre ambicionou ser reconhecido como o grande líder nas conferências ecuménicas.

Bem, voltando atrás, o papel das mulheres nas sociedades islâmicas não é invejável. E na maioria dos outros países? Na África não islâmica as mulheres são também objecto de um machismo exacerbado, como na América Latina, na Índia, na Ásia oriental. O problema é que Dom Policarpo se inscreve na histeria anti-islâmica alimentada pela administração Bush e na senda estratégica definida por Huntington.

Que um casamento é acto que merece ponderação, qualquer que seja a convicção religiosa dos pretendentes a esse acto, toda a gente sabe. Até a ancestral sabedoria popular sintetizou esse concelho de prudência com um “antes que cases, vê o que fazes”. Dispensam-se, pois os conselhos de Dom Policarpo e da instituição em que se enquadra.

Fonte: WWW.ESQUERDA_DESALINHADA.BLOGS.SAPO.PT

terça-feira, fevereiro 03, 2009

O Buraco Perfeito
Ignace Ramonet, diretor do Lê Monde Diplomatique e um dos agudos analistas da situação mundial, chamou a atual crise econômico-financeira de “a crise perfeita”. Putin, em Davos, a chamou de “a tempestade pefeita’. Eu, de minha parte, a chamaria de “o buraco perfeito”. O grupo que compõe a Iniciativa Carta da Terra (M. Gorbachev, S. Rockfeller, M.Strong e eu mesmo, entre outros) há anos advertia: “não podemos continuar pelo caminho já andado, por mais plano que se apresente, pois lá na frente ele encontra um buraco abissal”. Como um ritornello o repetia também o Fórum Social Mundial, desde a sua primeira edição em Porto Alegre em 2001. Pois chegou o momento em que o buraco apareceu. Lá para dentro caíram grandes bancos, tradicionais fábricas, imensas corporações transnacionais e US$50 trilhões de fortunas pessoais se uniram ao pó do fundo do buraco. Stephen Roach, do banco Morgan Stanley, também afetado, confessou: “Errou Wall Street. Erraram os reguladores. Erraram as Agências de Avaliação de risco. Erramos todos nós”. Mas não teve a humildade de reconhecer:” Acertou o Fórum Social Mundial. Acertaram os ambientalistas. Acertaram grandes nomes do pensamento ecológico como J. Lovelock, E. Wilson e E. Morin”.

Em outras palavras, os que se imaginavam senhores do mundo a ponto de alguns deles decretarem o fim da história, que sustentavam a impossibilidade de qualquer alternativa e que em seus concílios ecumênicos-econômicos promulgaram dogmas da perfeita autoregulação dos mercados e da única via, aquela do capitalismo globalizado, agora perderam todo o seu latim. Andam confusos e perplexos como um bêbado em beco escuro. O Fórum Social Mundial, sem orgulho, mas sinceramente pode dizer: “nosso diagnóstico estava correto. Não temos a alternativa ainda mas uma certeza se impõe: este tipo de mundo não tem mais condiçãoes de continuar e de projetar um futuro de inclusão e de esperança para a humanidade e para toda a comunidade de vida”. Se prosseguir, ele pode pôr fim a vida humana e ferir gravemente a Pacha Mama, a Mãe Terra.

Seus ideólogos talvez não creiam mais em dogmas e se contentem ainda com o catecismo neoliberal. Mas procuram um bode expiatório. Dizem: “Não é o capitalismo em si que está em crise. É o capitalismo de viés norteamericano que gasta um dinheiro que não tem em coisas que o povo não precisa”. Um de seus sacerdotes, Ken Rosen, da Universidade de Berkeley, pelo menos, reconheceu:”O modelo dos Estados Unidos está errado. Se o mundo todo utilizasse o mesmo modelo, nós não existiríamos mais”.

Há aqui palmar engano. A razão da crise não está apenas no capitalismo norte-americano como se outro capitalismo fosse o correto e humano. A razão está na lógica mesma do capitalismo. Já foi reconhecido por políticos como J. Chirac e por uma gama consideravel de cientistas que se os paises opulentos, situados no Norte, quisessem generalizar seu bem estar para toda a humanidade, precisaríamos pelo menos de três Terras iguais a atual. O capitalismo em sua natureza é voraz, acumulador, depredador da natureza, criador de desigualdades e sem sentido de solidariedade para com as gerações atuais e muito menos para com as futuras. Não se tira a ferocidade do lobo fazendo-lhe alguns afagos ou limando-lhes os dentes. Ele é feroz por natureza. Assim o capitalismo, pouco importa o lugar de sua realização, se nos EUA, na Europa, no Japão ou mesmo no Brasil, coisifica todas as coisas, a Terra, a natureza, os seres vivos e também os humanos. Tudo está no mercado e de tudo se pode fazer negócio. Esse modo de habitar o mundo regido apenas pela razão utilitarista e egocêntrica cavou o buraco perfeito. E nele caiu.

A questão não é econômica. É moral e espiritual. Só sairemos a partir de uma outra relação para com a natureza, sentindo-nos parte dela e vivendo a inteligência do coração que nos faz amar e respeitar a vida e a cada ser. Caso contrário continuaremos no buraco a que o capitalismo nos jogou.

Leonardo Boff
Teólogo